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3.10.09

Cortes profundos



Se há um hábito que não dispenso há muitos anos é a visita mensal ao meu barbeiro.Desde que me lembro vou cortar o cabelo ao mesmo sítio, por sinal uma barbearia com mais de cem anos que por causa do inevitável progresso terá que em breve mudar de instalações.

Quando se entra o cenário é simplesmente delicioso: as cadeiras antigas, os diplomas de prémios ganhos já meio amarelos, os banquinhos de espera com o jornal da bola em cima , os personagens habituais ( uns velhotes que não estão ali para cortar o cabelo mas sim para amenas tertúlias que vão do futebol á politica passando pelos comentários ás moças formosas que passam pela rua), um rádio com mais de 20 anos sintonizado numa qualquer estação de AM debita sons puramente lusitanos e servem de banda sonora ao rito do corte de cabelo.
Embora tenha que ir dando os meus palpites , o meu maior prazer é ouvir as conversas que se vão cruzando sempre moderadas pelos dois barbeiros que se estivessem na televisão fariam muito melhor figura do que alguns jornalistas da nossa praça.As conversas costumam centrar-se nos temas mais actuais mas pelo meio fazem-se sempre desvios pelas experiências pessoais de cada um dos presentes, não há pressa nem censura, de tudo se fala e todos têm a palavra.

Hoje o tema era o euromilhões, enquanto um dos anfitriões tentava explicar a um cliente mais antigo que duas estrelinhas não dão prémio, do outro lado a conversa centrava-se nos planos pessoais para gastar o hipotético prémio. Inocentemente ,um respeitável avôzinho dizia que tentaria ajudar o neto a acabar de pagar a casa... resposta na ponta da lingua do barbeiro: " o seu neto deve morar no mosteiro dos jerónimos!!!" risada geral ...A hora passa a correr dentro daquelas quatro paredes, saio com o cabelo mais curto mas sobretudo com a alma limpa, com o prazer imenso de sentir genuidade e nobreza naquelas conversas tão simples mas ao mesmo tempo tão profundas e sinceras.Neste portugal de fachada, de novo riquismo petulante , sabe bem entrar nestas casas humildes mas onde existe uma riqueza imensa: a nossa cultura e a nossa tradição.

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